Monday, August 12, 2013

Bye bye pesquisa!

Este post é uma reprodução do que foi escrito pela astrofísica Ioanna Arka no site JobsForAstronomers.com e traz uma questão que, embora para uns pareça rasteira, toca no cerne de conflitos muito visíveis e presentes àqueles na academia.

Afinal, se sempre foi o seu sonho ser um pesquisador, inquiridor, que fosse pago para levantar questões e buscar respostas, como a realidade atual da "ditadura da produção" afeta a sua realização pessoal e, consequentemente, o seu trabalho?

Adicionalmente, como a quase animosidade contra as pessoas com múltiplos interesses pode estar afetando o futuro de todas as ciências, visto que está mais próximo do "sucesso" aquele que ignora diversidades e vivências e se fecha em sua "sub-área de uma sub-área", cultivando uma "ideia exagerada" sobre si mesmo?

 
Abaixo, os comentários de Ioanna.



"Um ano atrás eu postei o status acima na página Facebook Astronomers. Minha decisão de desistir da pesquisa em Astrofísica não surgiu do nada. Eu havia trabalhado em um pós-doc por um ano. No começo daquele pós-doc eu estava entusiasmada, feliz de poder trabalhar nos meus próprios projetos, ser considerada uma especialista em alguma coisa, ter a oportunidade de produzir alguns resultados. Mas após 6 meses, eu sentia pressão demais por causa da mentalidade 'Publicar ou Morrer'. Todos os meus colegas estavam animadamente publicando artigo após artigo, enquanto eu tinha acabado de descobrir um sério erro no primeiro artigo que eu estava prestes a submeter. Meu chefe notou a queda no meu rendimento e por fim me deu o ultimato: 'Você é inteligente', ele disse, 'mais inteligente do que muitas pessoas de sucesso na astrofísica. Mas você está falhando no número de horas. Não está sendo o suficiente. Você pode ter sucesso na ciência, mas você precisa pensar de verdade se você quer isso ou não. Se quiser, ainda dá tempo de reverter o quadro. Mas você vai ter que começar a dar duro agora mesmo.'

"Vejo o mundo da astronomia como um lugar brutal onde os sonhos vão para morrer."

Eu não estava dando muito duro, isso é fato. Nunca gostei muito de dar duro, nunca conseguia trabalhar por horas e horas. Meu cérebro simplesmente desistia depois de algum tempo. Eu nunca consegui levar trabalho para casa tanto quanto eu via meus colegas levarem. Eu nunca podia dizer de boca cheia 'Fiquei até tarde na minha sala'. Eu era muito interessada em outras coisas: minha família, cozinhar, sair para dar uma caminhada, assistir TV, tricô, ter meu blog. Muitas e muitas outras coisas. Eu estava confusa, já que tinha gasto quase 13 anos da minha vida trabalhando para conseguir me tornar uma astrofísica profissional, mas mesmo assim eu sentia que esse sonho me estava escapando. E era tudo culpa minha. Eu não estava colocando o número de horas. Eu não era dedicada ao trabalho. 'Você consegue. Mas vai ter que pensar se é isso mesmo que você quer.'

"Tenho 31 anos, um ano de pós-doc, fazendo coisas sem sentido que não contribuem de forma alguma à ciência.."

Eu disse ao meu chefe que tentaria, e passei a trabalhar mais duro. Por volta daquela época, eu fui a um congresso onde eu poderia apresentar meu trabalho para umas pessoas importantes da área. Eu fiz o que deveria fazer, mas não tenho vergonha de dizer que passei a maior parte do congresso sentindo que queria estar em algum outro lugar, talvez comprando roupas numas lojas por perto, ou tomando café com um(a) amigo(a). Mesmo embora eu me sentisse em casa naquele ambiente, conhecendo quase todo mundo da área e já tendo ouvido o que a maioria dos participantes tinham a dizer sobre seu trabalho antes, eu estava constantemente pensando 'Ok, qual é a novidade?' Ouvir um colega falar sobre seu trabalho pelo que parecia a milionésima vez me fez pensar se eu queria fazer a mesma coisa: trabalhar na sub-área de uma sub-área pelos próximos 30 anos, adicionando alguma coisinha todo ano para apresentar no próximo congresso, não contribuindo realmente para a Ciência mas tendo uma ideia exagerada de mim mesma e da minha importância. Porque eu era uma cientista. Eu era inteligente. Eu era especial.

No último dia daquele congresso eu fiz um exame de gravidez - e deu positivo.

O que eu queria? Eu queria ser uma dos inteligentes. Como muitos de nós que já trabalharam com ciência, eu senti que é quase tabu falar sobre abandonar a pesquisa. Mas as palavras do meu empregador tinham causado um impacto: eu realmente queria aquilo? Ou tudo isso era apenas uma forma de auto-validação? Gostaria de continuar arrastando minha família de um lado para outro? Já era difícil com uma criança, imagina com duas.

"- e vocês todos sabem, é publicar ou morrer, qualidade não importa muito mais atualmente. Não estou descobrindo nova Física. Não estou sendo uma observadora, não estou encontrando nada novo, nem interessante."

Eu perguntei ao meu marido se ele me achava feliz com o meu trabalho nos últimos 8 anos - quantidade de tempo que ele me conhece. Ele disse só 'Não'. Veja, meu marido não é do tipo que fica elaborando. Mas suas respostas são sempre sinceras e ao ponto.

Eu tive que admitir a veracidade das palavras do meu marido. Decidi ser realista e parar de esperar que algo mudasse enquanto eu repetia as mesmas ações vez após vez. Se eu não estava feliz até agora, esperar me sentir preenchida com meu trabalho em algum futuro indeterminado seria uma burrice.

Quando eu postei o status acima no grupo de astrônomos, eu me sentia desapontada, mas também aliviada por finalmente colocar a frustração em palavras. A reação foi inacreditável: mais de cem 'curtidas', centenas de comentários. Gente que eu não conhecia passou a me adicionar, outros enviavam mensagens de apoio. Alguns me mandaram mensagens de dizendo que estavam em situação similar, mas que tinha medo de falar sobre isso. Alguns diziam que haviam perdido relacionamentos ou até a chance de ter uma família por causa das constantes mudanças de pós-doc a pós-doc. Um conhecido me disse que estava trabalhando em uma área diferente já a alguns anos, sentindo-se feliz e satisfeito com sua vida e seu trabalho, mas havia mantido essa mudança em segredo da maioria das pessoas porque há um certo estigma sobre aqueles que desistem da pesquisa. Outros me disseram o quão corajosa eu era por falar sobre um assunto considerado tabu em muitas universidades e centros de pesquisa. Como é? Eu não sou corajosa! Eu estou desistindo, pelo amor de Deus. Não se espera que os corajosos desistam, certo?

Após um ano, tenho que admitir que ainda penso se essa foi a decisão correta. Desisti do meu pós-doc na França, onde nunca me senti em casa, nem sequer segura (fácil de acontecer quando você passa por um assaulto à mão armada com múltiplos disparos de arma de fogo perto da sua casa). Mudei de volta à Alemanha, onde eu entendo o idioma e me sinto em casa. Por enquanto, sou uma superqualificada mãe por tempo integral, tomando conta de um bebê por quem sou perdidamente apaixonada. Tive a oportunidade de experimentar coisas que perdi com minha primeira filha, incluindo fazer blá-blá-blá com meu bebê, olhar para ele, ficar com ele. Esse gastar de tempo com qualidade não existia na minha vida.

Mas eu concordo com o que você está pensando: não posso continuar desempregada para sempre. A maioria das minhas habilidades são em astrofísica teórica, então ciência com dados (que parece estar na moda esses dias) não é uma opção pra mim. Dei uma olhada rápida no mundo da ciência da comunicação. Parece que não existe maneira fácil de entrar, e você precisa de algum tipo de experiência de trabalho e/ou treinamento adicional. É um tipo de problema ovo-ou-a-galinha: você precisa de experiência para trabalhar, e de trabalho para ter experiência. Pode-se trabalhar de graça para desenvolver algumas habilidades e mostrá-las a um empregador em potencial, mas a questão na verdade é - você quer trabalhar de graça?

Já tenho alguns planos para o futuro imediato, mas acho que esse post já ficou longo demais. Deixarei que aproveitem o resto do verão (aqueles no hemisfério norte, pelo menos) e espero estar de volta com mais posts e, tomara, contribuições de outros astrônomos de sucesso ou em dificuldades fora da academia em breve.

Ioanna Arka"

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