Disse Cícero, usando o latim clássico, em Os Filipenses Contra Marco Antônio em 44 a.C., contrastando nationes ("raças de pessoas") externas, inferiores, com a civitas romana ("comunidade"):
"Omnes nationes servitutem ferre possunt: nostra civitas non potest."
("Todas as raças são capazes de suportar a escravidão, mas nossa comunidade não pode.")
Desse termo vem o famoso "nacionalismo" que podemos ver como uma doutrina ou movimento político segundo o qual um nação, no sentido de etnia ou cultura, tem o direito de constituir uma comunidade política autônoma e independente baseada no passado compartilhado e no futuro comum.
Algumas formas extremistas de nacionalismo, como as propagadas por movimentos fascistas do século XX, pregam que o nacionalismo é o aspecto mais importante da identidade de um indivíduo, enquanto outras têm tentado definir nação em termos de raça ou genética.
A partir do século XVIII o mundo, que antes havia sido basicamente dividido ou em grandes blocos, regidos por impérios, ou em tribos "bárbaras" sem a complexidade de organização burocrática das grandes potências, viu-se fragmentar mais e mais e movimentos nacionalistas de diversas ordens e naturezas passaram a brotar, cada um a seu próprio modo e tempo.
Estamos acompanhando no momento o conflito em China e Tibete que tem ganho os noticiários de TV e jornais. Manifestações no mundo inteiro suportam o movimento tibetano por reconhecimento. O movimento começou em 10 de março de 2008, 49º aniversário da Revolta Tibetana de 1959 contra o domínio do partido comunista. Tudo começou pacificamente mas os protestos por liberdade logo se tornaram violentos. No dia 14 começaram ataques a grupos étnicos não-tibetanos, destruição, incêndios e saques. Tensão política, problemas de ordem sócio-econômica (como o comparativo sucesso econômico de grupos não-tibetanos e alta da inflação) e a fúria pelos rumores de prisão de monges levou a conflitos. Os ataques têm acontecido principalmente contra os chineses da etnia Han, predominantes na China.
Conversando com um amigo essa semana, Sr. Peter John Ollerenshaw, de Harpenden, na Inglaterra, 60 anos, me surpreendi com algumas de suas idéias e fiquei bastante pensativo sobre nossas diferenças em ideologia. Perguntado sobre os conflitos no Tibete respondi que temia pela vida daquelas pobres pessoas envolvidas num conflito político de tal magnitude, sob um governo totalitário. Recebi uma resposta muito franca que me incomodou:
"Sacrifice has always been one of the costs of freedom as we know well in this country or at least should if we read our history".
"Sacrifício sempre foi um preço para a liberdade como bem sabemos neste país ou pelo menos deveríamos se lêssemos nossa História."
Expliquei a ele então que tipos de luta pela liberdade podem haver e citei bastante detalhadamente o processo de independência do Brasil. Em sua visita ao Brasil passamos uma agradável manhã no museu do Ipiranga e nos demoramos um bocado de frente ao quadro representando o grito da independência. Nesta conversa lembrei meu amigo de sua surpresa ao ver o quadro. Bem ao centro nos lugares de destaque vê-se Dom Pedro, os nobres e seus exércitos se reunindo, clamando logicamente a independência do Brasil. Bem ao canto, alheio a tudo que se passava, está um camponês que olha impressionado com aquela postura: "Quem são esses caras?"
Bem sabemos que a vida daquele camponês não mudou em nada após o famoso grito. Fosse um grito de independência, fosse um grito de susto o camponês continuou andando com sua vaquinha preocupado com seus afazeres; a realidade é que meu amigo percebeu algo muito óbvio. "Onde está o povo?", foi a primeira coisa que ele perguntou. Muitos brasileiros vêem esse quadro durante toda a vida e não fazem essa pergunta. Aqui vai minha resposta na íntegra para a pergunta do Tibete:
"Concordo, mas liberdade num sentido amplo é, na maior parte do tempo, um conceito cultural, e eu acho que seria no mínimo interessante conhecer qual é a visão dessas pessoas sobre a liberdade. O que realmente querem. Se suas vontades são governadas por líderes religiosos ou por militantes então a 'liberdade' deles pode não vir do jeito que esperam... o Brasil por exemplo, não foi o povo que lutou pela independência. Quero dizer, fomos nós que morremos mas defendendo os interesses de outras pessoas".
O fato é que a independencia só se concretizou com o bater de pés dos grandes: nobres, latifundiários e escravocratas, e quando a arquiduquesa da Áustria e imperatriz do Brasil, Dona Maria Leopoldina envia uma carta a Dom Pedro, juntamente com outra de José Bonifácio, além de comentários de Portugal criticando a atuação do marido e de Dom João VI, exigindo que D. Pedro proclame a Independência do Brasil e, na carta, adverte: O pomo está maduro, colhe-o já, senão apodrece. Isso porque a economia do Brasil já não estava nas mãos de Portugal mas sim da Inglaterra.
Talvez o movimento brasileiro por liberdade tenha ocorrido com as "Diretas Já!".
Interessante como não ocorreu a meu caro amigo inglês a noção da manipulação e do poder coercivo da nobreza - a Europa sempre tão nas mãos da aristocracia - e da força política fornecida pela posse, antes de terras, depois dos meios de produção brutos, hoje do conhecimento tecnológico. A origem do conflito atual no Tibete, entre outros fatores, remonta ao domínio comunista, do qual os Estados Unidos sempre foram inimigos mortais. A maior potência mundial (ainda) de nossa época mostra-se favorável ao levante contra a dominação chinesa. Não é de se desconfiar que algo cheira mal? Os Estados Unidos sempre se ocuparam de pregar seus ideais de igualdade, fraternidade e liberdade, mas sempre reprimiram violentamente todos os que não se dobrassem aos seus ideais. E a presidente da Câmara dos EUA, Nancy Pelosi, pede ação contra a China por causa do Tibete.
Não é por acaso violência e assassinato o que ocorre em países embargados, em que mulheres e crianças passam fome até a morte por falta de recursos e infra-estrutura, por sugestão dos EUA em manter uma política econômica de restrição e privação? Os que rejeitam se curvar aos ditames da potência atual sofrem severa punição. Cuba estagnou-se, no Irã pessoas morrem aos milhares todos os anos pela poluição excessiva da frota de automóveis de décadas atrás, no Iraque nada de armas de destruição em massa e milhares de civis mortos. E que dizer dos palestinos que atacam com pedras e paus e recebem bombardeios de Blackhawks e mísseis tele-guiados que acidentalmente matam vitimas civis inocentes? Consideram-se a polícia do mundo e tomam decisões arbitrárias sem o consenso de outros. Seu orgulho é de dar pena.
E quanto à religião que sempre tanto se intrometeu nos assuntos políticos? Deixou o Ocidente em escuridão durante a Idade Média. No Japão medieval monges-guerreiros matavam-se pelas ruas. Causa divisão política-territorial e morte aos da Cristandade no Reino Unido, em conflitos xiitas e sunitas ateiam fogo uns aos outros por vingança no Iraque, mesmo a separação da Coréia tem fatores religiosos embutidos.
Na época da Segunda Guerra e tempos anteriores o imperador era a deidade suprema, Deus na terra, a quem os japoneses deviam obediência incondicional. Após sua rendição e reconhecida derrota em 1945, após a brevíssima, mas destrutiva, participação dos EUA com as bombas atômicas, o império japonês xintoísta perdeu força de dentro para fora. Os súditos, aohitogusa, ou “crescentes ervas daninhas humanas”, que deveriam proteger o imperador, Hirohito na época, por lhe servirem de escudo, retiraram seu apoio. Acabou o domínio japonês sobre a Coréia que se dividiu entre Coréia capitalista e Coréia comunista graças ao conflito EUA vs. URSS (vale lembrar que a maioria dos coreanos era contra a ocupação de seu país pelas duas superpotências da época).
O Dalai Lama do Tibet vem aos poucos perdendo sua influência, principalmente entre as gerações mais jovens. Como a instituição religião lidará com essa tendência mundial? A perda de fiéis está diretamente ligada à perda de força política.
Longe de mim aqui discutir o direito à luta pela liberdade. Mas o importante é pensar o conceito de liberdade separado da visão ocidental que temos do Oriente. O que sabemos deles foi fabricado, os vemos através da lente européia, calcada sob o olhar opressivo da Cristandade da Idade Média que regia: expansão da pátria & da fé, quase um slogan. Não podemos ver o fato de que podemos comprar celulares como a manifestação máxima de liberdade, nem de que temos eleições diretas como nos fazendo melhores do que os sistemas de governo de parlamento. É ledo engano pensar que somos livres. Sair de um sistema comunista para um capitalista é simplesmente trocar de dono. O problema é que o dono do capitalismo quer ter mais aohitogusa que sejam combustível para seu sistema, dançando ao ritmo de sua valsa decadente reproduzida em MP3.
Illustration by Kevin Kallaugher

Acima:
- É parte do treinamento deles para as Olimpíadas da China...
- Para encarar a poluição?
- O gás lacrimogênio...
No jornal do senhor de óculos: "Conflito no Tibete"
Bem acho q ñ vou conseguir comentar tudo, mas vamos lá
ReplyDeletePrimeiro eu ñ gosto do conceito de nação, nós somos seres humanos antes de brasileiros, argentinos, indianos, irlandeses, etc.. e como agrupar dentro de uma unica bandeira grupos tão diversos em costumes, modos, linguas, acho que deveriamos ser um mundo respeitando suas diferenças de religiões, conceitos (de liberdade, igualdade, fraternidade, amor, odio, exploração), mas sem ferir as necessidades básicas dos outros, além de ñ inflingir danos.
Acho interessante até repensarmos os conceitos que utilizamos todos os dias como o da liberdade, será q somos livres? temos o livre-arbitrio para escolher entre uma camiseta do Che ou do Bush?
"Uma pitadinha de liberdade aqui, uma lasquinha de liberdade ali (...) e a turma vai vivendo que afinal também o pessoal não é tão voraz assim." (GRUPO OPINIÃO, LIBERDADE, LILBERDADE. Direção Flávio Rangel. Texto Millôr Fernandes. Rio de Janeiro, 1965. ) folder. Programa do espetáculo, apresentado no Teatro de Arena de Copacabana em abril de 1965).