Vagabundeando Internet afora, Orkut, ao qual me re-afiliei recentemente, deparei-me com uma comunidade muito interessante voltada a disseminação da cultura e da leitura. Há muitas entrevistas interessantes, traduzidas da Newsweek ou de outras revistas pop que dificilmente a população tem acesso, comentários sobre eventos culturais, tudo muito lindo. Descendo um pouco a página me deparo com a enquete atual: "Quantos livros você lê por mês?". Meu professor de literatura, diga-se de passagem, daria um risinho irônico, movido pela pena talvez. Me surpreendi ao ver as opções:
1 - Não gosto de ler;
2 - 0 a 2 livros;
3 - 2 a 5 livros;
4 - 5 a 10 livros;
5- 10 a 20 livros.
Até aí ótimo, a Internet está cheia de enquetes estúpidas. "Qual a cor do seu cachorro?" ou "Quem já comeu os cogumelos da Malásia?" são comuns mas, foi no mínimo interessante ver que num site que se propõe a "oferecer conteúdo interativo, inteligente, culto e de indiscutível bom gosto", encontram-se tantas pessoas com comentários como "Eu leio 35 livros por mês", "Todos me admiram, porque leio 4 livros por semana", "Eu geralmente só leio 8 livros por mês, mas ó, dessa grossura"... ¬¬
Minha teoria, baseada na minha cartilha de meros 22 anos mal-vividos, diz que a culpa geralmente não é da resposta, mas sim da pergunta (acho que cheguei a essa conclusão assistindo Chaves). Perguntas desse tipo abrem margem para respostas desse teor. Não culpo as pobres almas que lêem 86 livros por semana por fazerem isso, ou por se orgulharem disso. Afinal, num país em que tanto o acesso ao livro como o hábito da leitura é quase inexistente, só posso concluir que são privilegiados os indivíduos que performam tal façanha.
Mas talvez uma outra perguntinha se valesse de menos senso comum, que tal: "Lembra-se do título do último livro que leu?", ou "Compartilhe o assunto/história do último livro que leu". Já dizia o poeta, "Lembrar é viver outra vez".
Talvez um pouco de reflexão nos falte no sentido de estarmos até o pescoço na sociedade consumista que nos nossos dias devora vorazmente não apenas iPods e carros, mas também informação e "conhecimento" (definitivamente estas duas palavras NÃO são sinônimas). Parece que tudo tem que ser feito rápido e na maior quantidade possível,... afinal tempo é dinheiro?
Eu tinha a impressão de que o tempo fora inventado antes.
Enfim, há tanto num livro, num bom livro ou mesmo em um não tão bom, que não é concebível a idéia de se perpassar seus vários níveis de entendimento numa "sentada". O que enriquece não é a leitura em si, terminar o livro, chegar ao final. Saber a historinha por curiosidade e depois fechar o livro é jogar pela janela o crescimento em potencial que se poderia adquirir por meio daquela leitura. É o processo da leitura que vai permitir que o que está escrito, as intenções do narrador, a ambientação, a amarração textual mostrem-se mais claramente.
É claro que nem toda leitura é para a prova de literatura ou análise do discurso, mas a arte de ler, por excelência, excede os níveis mundanos da sociedade capitalista de produção. Ouvir Vivaldi, admirar van Gogh, ler Pessoa não faz de ninguém uma pessoa culta se esta não permitir ser tocada por todo o conteúdo inerente à estas artes. Ir ao teatro não é só para se emocionar, ou rir. É apenas pelo processo de reflexão que se permite que nossas humanidades se entrelacem e se toquem, sendo este o fim máximo do labor artístico.
Enquanto houver humanidade, haverá arte, seja escrita, oral, pintada, cantada.
Mas não se pode afirmar que enquanto houver humanidade, haverá capitalismo, consumismo, ou o American way of life.
Me vem a mente a necessidade de se vender uma imagem... meio contraditorio a forma que eu to colocando isso mas...
ReplyDelete"(...)
Sou gravado de forma universal,
Saio da estamparia, não de casa,
Da vitrine me tiram, recolocam,
Objeto pulsante mas objeto
Que se oferece como signo dos outros
Objetos estáticos, tarifados.
Por me ostentar assim, tão orgulhoso
De ser não eu, mas artigo industrial,
Peço que meu nome retifiquem.
Já não me convém o título de homem.
Meu nome novo é Coisa.
Eu sou a Coisa, coisamente”.
esqueci o oema “Eu Etiqueta” de Carlos Drummond de Andrade
ReplyDeleteTambém vi essa enquete no orkut e confesso que fiquei meio assustado; me lembro de ter lido há muito tempo uma entrevista com José Mindlin, o maior colecionador de livros raros do Brasil que este costumava ler 1(um!) livro por semana.
ReplyDeleteO vocábulo "livros", no caso é encarado como moeda de troca, a partir de uma lógica capitalista de "quanto mais em menos tempo, melhor".
"Até mesmo quando se relata a respeito de Plínio, o Velho (almirante romano, escritor e naturalista clássico) que ele lia sem parar ou mandava que lessem para ele, seja à mesa, em viajens ou no banheiro, sinto a nessessidade de perguntar se o homem tinha tanta falta de pensamentos próprios que era preciso um afluxo contínuo de pensamentos alheios, como é preciso dar ao doente um caldo para manter sua vida." - Arthur Schopenhauer, em "sobre a erudição e os eruditos".
Se, por vezes um pequeno aforismo possui sabedoria de séculos...